Em artigo, o presidente do TST, ministro Emmanoel Pereira, repele retrocessos e reflete sobre a injustiça estrutural em relação às mulheres.
08/03/22 – Março, em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, é um mês de especial relevância para a Justiça do Trabalho, por nos remeter a lutas passadas pela melhoria das condições laborais, à contestação e à ressignificação dos papéis sociais e, sobretudo, à reflexão sobre a persistente injustiça estrutural que segue acompanhando as mulheres no mundo.
Antes, é necessário esclarecer que, ao mencionarmos “mulheres”, abordamos o gênero, cuja definição se vincula às construções sociais que transcendem os aspectos biológicos ou naturais. Assim, esse é também um chamado para combater preconceitos e reconhecer a importância de uma cultura do trabalho sedimentada na igualdade de gênero, no respeito mútuo e na dignidade da pessoa humana.
Apesar de avanços observados nas últimas décadas, em pleno século 21, brasileiras ainda são minoria no mercado de trabalho, a despeito de serem maioria na população e de terem escolaridade mais alta. No mundo laboral, ainda sofrem com discriminação e desvalorização social e econômica, subempregos e salários inferiores, ainda que desempenhem trabalho de igual valor que os homens.
A violência e o assédio, até bem pouco tempo silenciados ou normalizados pelo machismo estrutural, hoje constituem violação dos direitos humanos. Ao haver reconhecido a urgência da eliminação desses abusos no mundo do trabalho, em 2019 a OIT adotou a “Convenção sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho” (Convenção 190), instrumento relevante e já ratificado por vários países.
Nos últimos dois anos, a pandemia ainda mostrou a condição de maior vulnerabilidade feminina no mercado de trabalho. Daí a importância da formulação de políticas trabalhistas sob uma perspectiva de gênero, que compensem a queda histórica de participação e o aumento do desemprego que atinge, atualmente, 25 milhões de mulheres, segundo dados do último Panorama Laboral da OIT para a América Latina e Caribe.
No Brasil pandêmico, ainda observamos a maior presença de mulheres na informalidade e em setores econômicos mais gravemente afetados pela crise, como comércio e serviços; o aumento do tempo despendido no trabalho não remunerado e usualmente relacionado aos cuidados e afazeres domésticos, em decorrência das normas de afastamento social e fechamento temporário de escolas, creches e outros aparelhos públicos; os obstáculos em conciliar o teletrabalho ou trabalho à distância, remunerado, com os afazeres e cuidados no domicílio; as dificuldades no acesso à educação e aos serviços de saúde.
As particularidades das assimetrias de gênero nas relações de trabalho traduzem todo esse contexto econômico e social que não pode deixar de ser percebido pelo Poder Judiciário. A condição peculiar das mulheres exige que o exame das causas afetas ao universo feminino seja realizado sob perspectiva diferenciada. Não por acaso, o Conselho Nacional de Justiça editou, em fevereiro último, recomendação que orienta os magistrados de todo o País a seguir o “protocolo para julgamento com perspectiva de gênero”, a fim de atender ao Objetivo 5 da Agenda 2030 da ONU, que trata do combate a todas as formas de discriminação de gênero.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) frequentemente se depara com oportunidades de julgar processos envolvendo assuntos que exigem tal reflexão. Foi a partir de perspectivas dessa natureza que o TST firmou jurisprudência no sentido de que os artigos 384 e 386 da CLT, que tratam de regras protetivas do trabalho da mulher, fossem recepcionados pela Constituição Federal, em nada contrariando a previsão contida no artigo 5º, inciso I, da Lei Maior, pois a igualdade de gênero indica que gênero não deve ser um critério de discriminação negativa.
Eminentemente moldado e regulado pelos homens, o mundo das relações de trabalho persiste injusto com mulheres e minorias que, felizmente, continuam a luta de expor seu descontentamento, buscar correções, alçar patamares de valorização e conscientização, e obter o compromisso da sociedade, sobretudo de sua parcela dominante, para com as mudanças estruturais e comportamentais a favor da igualdade.
Apesar dos dilemas impostos pelo mundo do trabalho às mulheres – tempo, remuneração e liberdade de ação -, elas insistem na sua trajetória de gerar vidas, conciliar trabalho com vida familiar, realizar competências. São tantas numa só! Mais que os homens, sabem da lacuna existente entre as próprias aspirações e a situação que ocupam realmente no mercado de trabalho. Sabem quão difícil é combater a normalização da desigualdade e dos abusos de que são vítimas. Uma das razões pelas quais, neste março, precisamente no dia 11, com início marcado para às 8:45h, o TST promoverá um evento em forma de webinário “Por elas! Reflexões para um ambiente de trabalho mais justo”, para o qual convida toda a sociedade.
E é esse cenário que irá nortear a atuação da Justiça Trabalhista em julgamentos onde o pano de fundo for a proteção da dignidade feminina. Vivemos em um momento em que devemos repelir retrocessos com a mesma força e vitalidade com que abrimos novos espaços de decisão favoráveis a um ambiente mais justo e igualitário às mulheres. Esse é o nosso papel e não nos furtaremos dessa batalha.
Ministro Emmanoel Pereira
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, 08.03.2022 – imagem google