Antes de decidir, Toffoli conversou com Fux, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Leia a íntegra da decisão
A implementação do juiz de garantias está suspensa por 180 dias. A figura criada no bojo do Lei Anticrime passaria a viger a partir de 23 de janeiro. Dessa forma, os tribunais ganham seis meses para se adaptarem e organizarem a estrutura para a nova figura. A decisão é do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em caráter liminar. Toffoli ainda definiu regras de transição, além de vetar, sem prazo, outros itens da norma, estabelecendo que ela não vale para crimes contra a vida, violência doméstica, Justiça Eleitoral.
As ações foram distribuídas ao ministro Luiz Fux. Mas como os feitos têm pedido urgente de liminar, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF e de plantão neste recesso do tribunal, avaliou que era preciso dar uma decisão e fixar critérios antes que a lei passasse a ter validade. A partir do dia 19 de janeiro, Fux, vice-presidente da Corte, assume o plantão até o retorno das atividades, no dia 3 de fevereiro. Ele é quem dará seguimento à tramitação e levará o caso à mesa do plenário para análise do colegiado.
Pela decisão de Toffoli, o instituto do juiz de garantias não será aplicado para ações penais em andamento, para respeitar o fundamento que diz que quando houver nova regra processual deverá produzir efeitos apenas prospectivos. Para os inquéritos abertos, no entanto, o juiz da investigação se tornará, naquele caso, o das garantias.
“Estamos assim a evitar avalanche de inquéritos que eventualmente teriam de ser redistribuídos. Ambas as regras de transição, além de evitar dúvidas jurídicas que poderiam causar interpretações diversas e judicialização da questão, têm fundamento no ordenamento jurídico que diz que quando houver nova regra processual deverá produzir efeitos apenas prospectivos. Portanto tais soluções atendem a um só tempo as normas processuais e ao princípio do juiz natural e da segurança jurídica.”
Para dar a decisão que tem 40 páginas, Toffoli conversou com o ministro Fux, além de ter telefonado para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ainda na tarde desta quarta-feira (15/1), ele se reuniu ainda com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, logo antes de divulgar a decisão. Para os representantes dos outros Poderes com quem Toffoli conversou, ele afirmou que está garantida a figura do juiz de garantias, apenas com algumas modificações.
Ele retira a validade da norma para os processos de competência originária dos tribunais, por serem regidos por lei específica e, conforme decidiu o plenário na ADI 4414, a colegialidade por si só é fator da independência e da imparcialidade judicial; para os processos de competência do tribunal do júri, pela mesma lógica da colegialidade e a constituição específica; para os casos de violência doméstica, pelas particularidades, necessidade de formação e aparelhamento específico para tratamento dos procedimentos; e para os processos de competência da Justiça Eleitoral, também com procedimentos peculiares, além de não ter quadro próprio, mas servidores cedidos.
São três as ações de inconstitucionalidade propostas contra os dispositivos da Lei 13.964, que criou a figura do ‘‘juiz das garantias’’, as ADIs 6298, 6299 e 6300, ajuizadas a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juntamente com a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) ; os partidos Podemos e Cidadania e a última pelo PSL, pelo qual foi eleito o presidente Jair Bolsonaro e da qual ele acabou por se afastar.
Além da decisão, há um grupo de trabalho instituído no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por ele próprio para elaborar propostas sobre o tema. Toffoli acredita, no entanto, que o Supremo se debruce sobre a matéria antes da conclusão dos estudos do GT do CNJ. Ele destacou que o juiz das garantias é instituto que “reafirma os mais avançados parâmetros internacionais de garantia do processo penal, não sendo uma novidade no direito comparado com outras nações. Mostra-se formalmente e materialmente legítima sob a ótica constitucional a opção do legislador de instituir no sistema penal brasileiro, mais especificamente, no sistema de persecução penal.”
Dos itens mais polêmicos, Toffoli incluiu dois pontos na decisão que foram objeto de pedido de Moro. Ele suspendeu a eficácia do dispositivo que estabelecia o sistema de rodízio. “Entendi que, ao assim dispor, está a se violar a Constituição que dispõe sobre a organização dos tribunais, que é competência privativa à iniciativa privativa do próprio poder judiciário. Ou seja, não cabe ao Parlamento dizer a maneira de implementação do juízo das garantias como aqui o fez”, disse o presidente.
No ponto em que a lei estabeleceu, no at. 157, que “o juiz que conhecer do conteúdo da prova considerada inadmissível não proferirá sentença”, Toffoli entendeu que não há clareza suficiente ou critérios para a aplicação e poderia suscitar inúmeros pedidos de nulidades, além de funcionar como instrumento deletério de interferência na definição do juiz natural.
Para além disso, Toffoli, enquanto presidente do CNJ, ampliou também o prazo para o grupo de trabalho. O GT passa a ter até o dia 29 de fevereiro para encaminhar para a Presidência a proposta final. A partir daí, o CNJ deliberará pelo plenário de conselheiros as normas para a implantação. “Entendemos que assim haverá tempo suficiente para que todos os tribunais possam implementar a lei”, disse Toffoli.
Houve, para o CNJ, contribuições de 77 magistrados, sendo 64 de juízes estaduais, 11 da JF e dois da eleitoral, manifestação de 27 tribunais, sendo 22 estaduais, quatro federais e regional eleitoral. Outras instituições e associações jurídicas também enviaram sugestões: CFOAB, CNMP, PGR, DPU, Colégio Nacional de Defensores públicos. Ajufe, AMB, AM Justiça Militar.
Leia a íntegra da decisão de Toffoli.